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Falta de referências sociais prejudica crianças negras

"A minha maior dificuldade sempre foi fazê-la se ver em uma boneca", a declaração é da  arquiteta Soraia Almeida, 35 anos, mãe da pequena Sarah, 6. A inquietação de Soraia representa grande parte das famílias negras, que têm dificuldades em encontrar referências estéticas em artigos infantis.
A psicóloga Verena Souza explica que a infância é a primeira instância na construção de personalidade. "É nessa fase que buscamos referências sociais. Se a criança não se enxerga em um brinquedo, por exemplo, ela cresce com a visão distorcida de si. Com a visão de que não é adequada aos lugares, por conta de suas características físicas ou de suas nuances culturais", pontua.
Mãe de Mariah, 4, a publicitária Andrea Chaves, 30, tem consciência disso: "Procuro brinquedos que respeitem a nossa cultura, pois quero inserir na vida da minha pequena a autoafirmação enquanto negra. Eu tento preservar a cultura negra em nossas vidas".
De acordo com o sociólogo Márcio Chammas, a falta de representação da diversidade étnica na infância influencia a construção de identidade do adulto.
"A hierarquia de privilégios étnicos tende a supervalorizar os padrões eurocêntricos - branco, loiro e olhos azuis -,  e isso reflete nos brinquedos e, tão logo, nas crianças. Se não há diversidade para quem está no início da concepção de vida, a tendência é predominar  uma hegemonia branca, às custas de pessoas que não se reconhecem no mundo", analisa Chammas.
A estudante Yasmin Vitório, 13, não se sente representada na mídia  nem nos brinquedos. Ela conta que o que ajudou na aceitação de sua identidade racial  foi a participação ativa da mãe, Miria Alves, 34, e do pai, Dottha Fritz, 42.  "Eles nunca me deixaram alisar o cabelo, e hoje eu gosto", diz.
Para a jovem, é importante a presença de negros na mídia. "Mesmo que seja em comercial de queimado (bala), macarrão ou supermercado, é  legal ver pessoas como eu na televisão", fala.
Para elevar a autoestima de Yasmin, os pais investiram no exemplo  em casa.  "Não adianta ter um discurso de aceitação se as ações não condizem com a fala. A criança observa, a referência é a mãe e o pai,  no visual e na vida", adverte Miria.
Bonecas
Um levantamento feito pela ONG soteropolitana Avante, entre abril e julho deste ano, aponta que em média  3% das bonecas disponíveis para compra são negras.
Para chegar ao dado, a Avante analisou os sites de vendas dos 31 maiores fabricantes de brinquedos listados pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Somente 16 dos 31 produzem bonecas negras. No total, foram encontrados 1.945 modelos diferentes. Destes, apenas 131 são de negras.
Para a coordenadora de estratégia da Avante, Ana Marcílio, há incoerência na produção industrial. "O número de bonecas negras produzidas é uma contraposição, se avaliarmos as características da nossa população. É perceptível que temos uma indústria atrasada na discussão dos movimentos sociais", pontua.
Na expectativa de criar uma rede para fortalecer a demanda de compra e incentivar a produção desses brinquedos, a Avante criou, em abril, a campanha "Cadê nossa boneca?".
"A ideia é transformar o visual das prateleiras, para que possamos comprar brinquedos que representem as nossas crianças", descreve  Ana Marcílio.