Mulheres negras, Militares no de poder na Bahia

Racismo e machismo afastam mulheres negras dos espaços de poder, apontam políticas

No estado mais preto do Brasil, a primeira deputada federal negra, Tia Eron (PRB), foi eleita em 2014. Até hoje, não conseguimos emplacar uma mulher negra como deputada estadual. De acordo com a pesquisa "Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil", publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (7), a Bahia é o estado com menor participação feminina no Congresso Nacional. Mas quando se trata da participação de mulheres negras nos espaços de poder a situação piora consideravelmente: na Câmara Municipal de Salvador, dos 43 cargos, apenas 8 são ocupados por mulheres e, dentre elas, duas são negras. De 63 deputados na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia há oito mulheres e nenhuma é negra. A situação é similar quando se trata de deputados federais. Dos 39 parlamentares baianos eleitos em 2014, apenas três são mulheres e uma só é negra - no caso, Tia Eron, que atualmente deixou a Câmara para atuar na Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Semps). "Hoje você tem a maior bancada de mulheres no Congresso Nacional. Somos 54. Entretanto, você não consegue aprovar a lei que garante cotas para que o assento esteja com elas, não com eles. Aí você tem um projeto para que, quando uma mulher parlamentar se licencia, a suplente seja uma outra mulher. Senão a conta nunca estará equilibrada", declarou. Para ela, o histórico que envolve patriarcado, discriminação de gênero e violência doméstica deixou graves sequelas que se refletem em um sistema desigual. "Em sua maioria, são homens que estão à frente desses espaços de poder. O espaço de poder é o lugar onde se negocia, onde se reivindica direitos, onde você senta para bater na mesa e dizer 'eu quero'", apontou. Uma das duas vereadoras negras da Câmara Municipal, Marta Rodrigues (PT) sugere que apesar do avanço nas discussões raciais, a representatividade continua pequena. "Aonde é que nós mulheres negras estamos agora? A maioria está desempregada. Esse nosso espaço aqui, com 43 cadeiras. Quantas mulheres tem? Oito. E quantas negras tem? Eu e Ireuda. Se você for pegar na AL-BA, quantas cadeiras? 63. Quantas mulheres? Oito. Quantas negras? Nenhuma. Então é esse debate que a gente tem que fazer, apresentando nossas pautas, buscando políticas públicas para inserir as mulheres negras nesse espaço", comentou. Sobre a conquista desses lugares, a vereadora Ireuda Silva (PRB) afirma que há uma forte resistência em relação à ocupação de mulheres, principalmente as negras. "Você observa que os vereadores homens se 'abancam' das bancadas. Se nós mulheres não formos lá, eles ficam ali por toda a vida. Há uma resistência e não é só aqui. É em todos os lugares. Isso tem sido uma luta árdua de nós mulheres", declarou Ireuda. A subrepresentação racial e feminina também aparece no âmbito do Executivo - há cinco secretárias entre os 24 titulares das pastas estaduais e, entre estas, três são negras. Uma delas é Olívia Santana (PCdoB), responsável pela Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia (Setre). "O racismo, cruzado com o machismo, é que atrapalha o caminho das mulheres negras. A gente vive em uma sociedade patriarcal e racista, que impede o caminho das mulheres negras na atuação política. É como se a vida pública fosse para os homens e às mulheres cabe a vida privada. E para as negras, o subemprego, a ausência de representatividade. Ela pode ser no máximo a eleitora, nunca a eleita", disse Olivia. E para resolver a situação não basta simplesmente ter candidatas negras, mas sim que os partidos sustentem candidaturas viáveis, estruturadas, com campanhas bem financiadas. "Quando a gente debate empoderamento, nós precisamos ter como principal foco a presença das mulheres negras na democracia representativa. Porque nós não estamos nem subrepresentadas, nós estamos invisíveis. Nós não podemos falar de empoderamento de uma forma genérica, nós temos que colocar o dedo na ferida. E os partidos políticos precisam responder. Porque quem financia, quem estrutura as campanhas políticas são os partidos", disse. "Então nós não queremos discutir apenas o direito das negras serem candidatas. Nós queremos discutir a necessidade de, quando as urnas se abram, nós tenhamos negras eleitas", completou. Segundo Olívia, o debate racial sofre uma rejeição muito grande por conta da falsa ideia de uma democracia racial existente no Brasil. "Isso não existe, infelizmente. A desigualdade é brutal no acesso a tudo. O acesso a empregos decentes, a salários, a promoções dos cargos das empresas privadas e também na área pública. A gente conta nos dedos das mãos a presença negra", criticou. Secretária Municipal da Reparação, Ivete Sacramento concorda com Olívia e aponta que há uma pré-disposição social à exclusão de mulheres negras no poder político. "E aí quando você chega, o difícil é manter. O racismo e a exclusão de gênero afasta essas mulheres dos espaços de poder, existe uma campanha velada para que a gente não chegue nesse lugar", declarou. Apesar de ressaltar que há um sistema que invisibiliza mulheres negras no poder político, Ivete diz acreditar que a próxima geração de "guerreiras e mulheres conscientes" será mais representada. "Nós detemos o poder que nem imaginamos. Se nós nos juntássemos, ganharíamos qualquer eleição, pois hoje somos maioria em qualquer estatística. Ainda não temos a força que deveríamos ter, mas acredito que a próxima geração será diferenciada", avaliou.

Com terceiro maior efetivo feminino do Brasil, mulheres melhoram serviço da PM, diz major

“Hoje dificilmente um homem embarca em uma viatura da Polícia Militar (PM) com uma mulher e duvida da capacidade dela como profissional. Muitas de nós já passaram por lá e mostraram sua proficiência no serviço”. A afirmação da PM Denice Santiago Santos do Rosário, uma das nove majores mulheres da Bahia que há três anos comanda o batalhão feminino Ronda Maria da Penha (conheça mais aqui), reflete uma faceta progressista da Polícia Militar no estado: a corporação baiana é uma das maiores quando o assunto é participação feminina. Na Bahia, em 2013, aproximadamente 14% do efetivo de policiais militares do estado era de mulheres. O percentual, que representa o terceiro maior em participação do Brasil, segundos dados do IBGE, fica acima da média nacional, que gira em torno dos 9,8%. Atualmente, a tendência nacional é que se limite a participação feminina na PM a 10% do efetivo. A média é garantida por um sistema de cotas máximas para mulheres aprovadas em concursos da corporação. Na Bahia, essa mesma média é ultrapassada por um sistema que convoca, na segunda chamada dos concursos, os melhores classificados independente de gênero. “Nós queremos mesmo é que esse número se iguale. Homens e mulheres da PM em números absolutos iguais”, comenta Denice. A medida foi adotada, segundo a major, como uma resposta do serviço da mulher na atividade policial. “Nós mostramos efetividade no nosso trabalho e isso nos concede condições”, comenta. “A concepção cultural do feminino traz à população um espaço de acalanto, um acolhimento diferenciado. Não é raro ver que, em uma dupla de policiais, civis procurarem as mulheres para perguntar uma informação ou até fazer um pedido de socorro”, argumenta a major que há três anos está no comando da operação de combate à violência contra a mulher que já conta com mais de 2 mil policiais. “A mulher na Polícia Militar deu a corporação a força que é necessária como também deu suavidade a essa força”, defende.

Por lei, é direito de mulher em situação de violência doméstica e familiar, o atendimento policial e pericial especializado prestado por servidoras do mesmo gênero. Questionada se o corpo da Ronda Maria da Penha consegue cumprir essa lei de acesso ao serviço de segurança, Denice foi enfática: “Até agora os homens têm cumprido esse papel, mas com a lei deveremos adequar as práticas”. “Se me perguntarem se eu gostaria de ter mais mulheres atuando na PM eu responderia prontamente ‘óbvio que sim’”, exaltou a major que completou: “Eu gostaria de ter mais colegas de farda ao meu lado”. 

Se a presença de mulheres na PM está cimentada, o questionamento que fica é se essas policiais estão ocupando cargos altos no batalhões. A Bahia conta atualmente com nove majores, insígnia mais alta entre os oficiais da organização, atrás apenas de tenente-coronel e coronel. Do total, quatro dessas majores estão em comando de unidades, como Denice Santiago na Ronda Maria da Penha. “Daqui a pouco teremos tenentes-coronéis também. Cada mulher que é promovida, alcança destaque e vai criando uma nova história para todas as outras”, discursa a policial. 



Quando o assunto é a existência de machismo na PM, comandante da Ronda Maria da Penha foi didática com o repórter: “A Polícia Militar da Bahia, como qualquer outra instituição é formada de pessoas da sociedade. A sociedade é machista e nós temos em diferentes âmbitos homens e mulheres que são machistas também. Apesar do cenário, hoje dificilmente um homem embarca em uma viatura da Polícia Militar (PM) com uma mulher e duvida da capacidade dela como profissional. Muitas de nós já passaram por lá e mostraram sua proficiência no serviço”.